Sobre Guerras, Planos e Complexidade: Por que seu planejamento falha?

Sobre Guerras, Planos e Complexidade: Por que seu planejamento falha? Leia abaixo esse artigo esclarecedor.

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“Planos são de pouca importância, mas o planejamento é essencial.”. A frase, conhecida durante a Segunda Guerra Mundial, é do Primeiro Ministro Britânico Winston Churchill. Naquele momento, em apoio à França, que tentava se proteger da invasão alemã, os exércitos britânico e francês se viam em uma situação desesperadora. Por melhores e mais bem preparados que fossem seus planos, suas estratégias de defesa sucumbiam à força da Luftwaffe (força aérea nazista), que seguia ganhando território na Europa.

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Muitas décadas antes, Helmuth Karl Bernhard Graf von Moltke marechal de campo prussiano, que liderava uma grande divisão do exército prussiano na Unificação Alemã e na Guerra Franco-Prussiana disse algo semelhante: “Planejamento é tudo! Planos não são nada”. Na visão de Moltke, era impossível que qualquer plano de operação militar se estendesse com clareza após o primeiro encontro com as forças do inimigo. A ele, foi creditada uma abordagem inovadora para dirigir os exércitos no campo de batalha. Tal estratégia implicava no desenvolvimento de várias opções, ao invés de simplesmente definir um único plano. Seus subalternos, embora conhecessem o plano inicial, tinham ampla liberdade de ação para o cumprimento da missão.

Estamos no século XXI e nossos planos ainda falham.

Dois séculos depois, cá estamos, em 2020, vendo muitos dos nossos projetos fracassarem. Viemos de décadas de evolução, onde grandes períodos da história, como a revolução industrial, nos trouxeram inúmeras técnicas de gestão. Temos conhecimento, ferramentas e tecnologias que nos permitem criar os mais detalhados e precisos planos.

Se temos todos os recursos, por que os nossos planos falham?

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Acho que ponto principal é a nossa mentalidade. As décadas anteriores nos ensinaram a criar planos extremamente detalhados, que previam, com precisão, um horizonte muito distante a partir daquele momento. Daí em diante, bastava que executássemos conforme aquele plano, gerenciando eventuais mudanças. Isso resolvia a grande maioria dos problemas que tínhamos. Havia certa estabilidade de informações no ambiente e isso tornava nossos planos confiáveis.

Contudo, é necessário reconhecer que o ambiente mudou. O mundo ficou complexo. Opa! Palavrinha-chave da moda detectada: COMPLEXO. Há várias maneiras de explicar/compreender o que seria essa complexidade. Poderíamos avaliar sob a ótica do Cynefin ou do VUCA, conceitos extremamente competentes e interessantes. Mas talvez, possamos explicar isso de forma um pouco menos “científica”.

Um pouco de história para definir o que é COMPLEXO.

Viajemos no tempo novamente. Entre os séculos XVI e XIX, Cristóvão Colombo e seus contemporâneos inauguraram o comércio entre os chamados “Velho Mundo” e “Novo Mundo”. Movidos por forças religiosas ou pelo imperialismo, os países começaram a interligar o mundo. O desafio da época era como inserir sua nação na concorrência, para aproveitar oportunidades globais. O mundo foi reduzido de grande, para médio. Novas opções e canais de informação foram criados.

O período das grandes navegações, onde as nações se lançavam ao mar em busca de comercializar com outros países, foi embrião da complexidade que vivemos atualmente. O mundo interligado reduziu de tamanho e passou a apresentar diversos opções.

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Anos mais tarde, entre os séculos de XIX e XXI, o barateamento dos custos de transporte e comunicação nos levaram a outra era. As empresas passaram a concorrer mundialmente. A questão a ser respondida era: como minha empresa se insere na economia global? O mundo deixa de ser médio e passa a ser pequeno. As opções se multiplicaram.

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A partir dos anos 2000, a popularização da internet e o avanço no desenvolvimento de software nos transformou em vizinhos de porta. Os indivíduos passaram a colaborar e a concorrer mundialmente. Indivíduos passaram a se perguntar: como eu me insiro na concorrência global? E o mundo passa a ser minúsculo. Essa colaboração individual e a nível global, com grande quantidade de informações facilmente acessível é o que torna esse ambiente complexo.

Com o mundo interligado e evolução e barateamento dos meios de transporte e comunicação, a concorrência e a colaboração, que se iniciou entre os países séculos atrás, passou pelas empresas e chegou aos indivíduos. O leque de opções aumentou exponencialmente, as mudanças passaram ser mais velozes e a tomada de decisão ficou mais difícil.

A complexidade resulta de um nível exacerbado de incerteza devido à grande gama de informações disponível de forma rápida e barata, aumentando assim o número de opções. Como consequência, amplia-se e muito a possibilidade de mudanças, o que dificulta termos planos precisos. E é justamente isso que inviabiliza, em muitos projetos atuais, a utilização das técnicas já popularizadas de gestão, pois a maioria delas busca descobrir o futuro a partir de planos detalhados e que buscam enxergar um horizonte muito adiante.

Se tudo muda tão rápido, por que tentar prever o futuro?

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Em muitos contextos atuais, o excesso de planejamento pode te matar silenciosamente. Tentar prever demais pode ser prejudicial. Pode te levar a planejar as melhores e mais poderosas funcionalidades para um produto a ser lançado. E um (bom) tempo depois, ao lançar produto, você percebe que ele já está obsoleto, pois o problema inicial mudou ou não existe mais.

Neste ponto, a agilidade entre como arma poderosa para responder a esse ambiente complexo. Maneiras mais adaptativas de gestão e que permitem a resposta rápida às mudanças, onde as inúmeras hipóteses podem rapidamente ser validadas, descartando-se aquelas que não levam à solução desejada, podem aumentar bastante sua chance de sucesso. Habilidade e velocidade para responder às mudanças e corrigir os rumos é crucial.

E é justamente nesse ponto, que vejo também muitas organizações tomando um rumo errado. Essa agilidade não significa ausência de planejamento. Se o excesso de planejamento pode matar lentamente, a execução precipitada, acompanhada pela falta de planejamento, vai passar por cima da sua empresa ou do seu negócio como um rolo compressor. A direção é mais importante que a velocidade. Não se lida com a complexidade atual ignorando-a ou tentando controlá-la ou reduzi-la. É necessário reconhece-la e, de preferência, tirar proveito.

Velocidade para reagir às mudanças é crucial. Mas lembre-se: a direção é sempre mais importante do que a velocidade.

Na complexidade, o (re)planejamento tem mais valor que o plano.

A nível de planejamento, lidar com a complexidade envolve reconhecer que todo plano perde precisão quando se tenta planejar além de onde se pode ver. É importante definir e revisar metas, mas reconhecendo que não se pode enxergar além do horizonte. E em ambientes tão voláteis, esse horizonte é cada vez mais curto.

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Imagine, por exemplo, que você está em um pequeno barco, no meio do oceano, e seus olhos estão a cerca de 1,8 m de altura acima da água. A distância até o horizonte, ou seja, até onde você consegue enxergar, seria de cerca de 6 quilômetros. Se você planeja fazer uma viagem de cerca de 30 quilômetros, significa que você deve planejar pelo menos 5 vezes, uma a cada 6 quilômetros. Como você não pode ver além do horizonte, por 5 vezes, você terá que parar, observar onde está, olhar novamente para o horizonte, e ajustar seu plano. Não será possível traçar um plano detalhado para os 30 quilômetros a partir do início da viagem.

Qualquer plano perde precisão quando se tenta prever além de onde se pode ver. Em um ambiente em constante mudança, planejar com detalhes um horizonte muito distante é como tentar controlar a complexidade. Complexidade não se controla. Se reconhece e, se possível, tira proveito.

E essa é a mentalidade que precisamos seguir ao executar projetos neste ambiente complexo. A agilidade consiste em planejar em múltiplos horizontes, conforme a figura abaixo, e não na ausência de planejamento.

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É necessário se planejar em níveis e em momentos diferentes. Frequentemente. Do planejamento estratégico ao planejamento diário, passando pelo planejamento das entregas parciais. Em cada nível, trabalha-se com detalhes de informação, estimativas e feedbacks diferentes. Cada um exige um nível de esforço. Cada um tem sua importância. Cada qual, com uma cadência adequada.

Nos próximos posts, vou detalhar um pouco mais a importância e os objetivos de cada um desses horizontes de planejamento.

Por fim, tenha sempre em mente que o problema não está nos planos e, muito menos, em ter planejamento. Planejamento é essencial. O segredo é a forma como lidamos e o que esperamos de nossos planos. Se você vai construir um aeroporto de milhões de dólares, certamente, um plano detalhado e uma abordagem mais preditiva te ajudará bastante. Pode usar o Guia PMBOK, não é feio. Neste caso, é sábio 🙂

Mas se seu problema envolve lançar um novo produto digital, nesse mundo cheio de opções e em constante mudança, lembre-se daquela antiga regra do exército canadense:

“Se houver disparidade entre o mapa e o terreno, fique sempre com o terreno”.

Texto de Thiago Torres MBA, ACP, PMP, CSM, KMP